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O tarifaço e a guerra pelo futuro do dólar

O tarifaço e a guerra pelo futuro do dólar

Muito se discute quais os motivos que levaram o presidente Donald Trump a aplicar a tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos. Para além da retórica protecionista ou de questões bilaterais com o governo brasileiro, há um pano de fundo geopolítico muito mais amplo: a defesa da hegemonia do dólar e a contenção da ascensão chinesa por meio do Brics.

Desde 2013, a China executa o ambicioso plano de expansão global com a Nova Rota da Seda, que prevê a ligação comercial da Ásia Oriental à Europa, África e América Latina. Parte desta estratégia incluía, ainda que de forma indireta, o controle do Canal do Panamá (construído e operado pelos americanos de 1914 até 1999)  que liga o Oceano Pacífico ao Atlântico. Em 2022, a Hutchison, com sede em Hong Kong, havia conquistado o direito de continuar explorando os portos de Cristóbal (no lado Atlântico) e Balboa (no lado Pacífico) por mais 25 anos. . 

Assim que assumiu o governo, Trump pressionou para que a CK Hutchison, mesmo sob forte protesto dos chineses, vendesse a gestão dos portos para o grupo americano BlackRock – um negócio de US$ 22,8 bilhões. Pouco tempo depois, utilizando a mesma tática, a Casa Branca fez com que o Panamá assinasse um acordo para que as tropas americanas voltassem a ocupar as antigas bases de Sherman, Rodman e Howard - e os navios militares americanos também poderão navegar livremente por toda extensão do canal. A China, além de ficar sem o Panamá como sócio na Nova Rota da Seda também perdeu sua influência sobre o estratégico canal.

Trump agora aponta sua pesada artilharia contra os países do Brics. O projeto original do Brics, proposto pelo economista do banco Goldman Sachs, Jim O'Neil, era o de agrupar e impulsionar o crescimento de países emergentes como Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Mas, em 2023, fugindo de sua configuração original, passaram a ser membros permanentes a Arábia Saudita, o Egito, a Etiópia, os Emirados Árabes Unidos e até o Irã - e Nicolás Maduro tem pressionado para que a Venezuela também possa integrar o Brics.

Para a China, segunda maior economia do mundo, e que já planejava o lançamento da Nova Rota da Seda, o Brics chegou como mais um instrumento para aumentar a sua participação no mercado internacional. Em 2014, foi decidida a criação do Banco dos Brics (com sede na China) como alternativa aos bancos multilaterais (o Banco Mundial e o FMI) e também para financiar projetos de infraestrutura em países membros do grupo. 

Com seu gigantesco poderio econômico e comercial, entre 2013 e 2022, a China investiu US$ 679 bilhões em projetos de infraestrutura em quase 150 países. Só no Peru, são US$ 3,5 bilhões no porto de Chancay. E para ligar o Oceano Atlântico (a partir do porto de Ilhéus, na Bahia) ao Pacífico (até o porto de Chancay, no Peru), a China estuda investir bilhões na ferrovia com extensão de mais de 4 mil Km. O governo norte-americano acompanha com atenção, e muita preocupação, cada movimento da China nesse cenário estratégico de avanço geopolítico. 

Autoproclamando-se o líder e defensor do mundo livre, assim como retomou o Canal do Panamá, assim como desafiou os líderes dos países europeus a se unirem para enfrentar a Rússia (e isso já está ocorrendo com a elevação do orçamento militar), assim como apoiou Israel para destruir o arsenal nuclear do Irã, assim também Trump lançou o seu plano para enfraquecer o Brics que já é uma ameaça à liderança do G7 - grupos dos 7 países mais ricos. Ele sabe que, se nada for feito, uma nova ordem global será instalada com a consequente mudança no equilíbrio econômico mundial.

Quando o presidente Lula (que sempre foi aliado da China, da Rússia e do Irã) começou a defender, nos fóruns internacionais, a necessidade da criação de uma nova moeda para contrapor e enfraquecer o dólar, ele passou a ferir de morte o orgulho americano. Afinal, o dólar não é apenas uma moeda, mas é o pilar do poder global dos Estados Unidos. E qualquer tentativa de substituir esse alicerce será tratada como uma afronta à ordem vigente.

O apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro, as críticas aos abusos do STF, a suspensão dos vistos de ministros e outras represálias adotadas por Trump estão concentradas no campo da disputa político-ideológica, mas a aplicação da tarifa de 50% contra o Brasil é muito mais que uma retaliação comercial pontual, é uma guerra contra a China, o Brics e a ameça ao dólar. Trump sabe que esse confronto vai definir o futuro da geoeconomia mundial.

E como bem disse James Carville, o estrategista de campanha do ex-presidente Bill Clinton: “É a economia, estúpido!”.

Edinelson Alves, jornalista

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